23/01/09

Club Silêncio

Não te sofri nem por um segundo. A saída da minha vida já havia sido concretizada muito antes de, esperadamente, fechares aquela porta. Recordando o momento como que uma Polaroid, disseste-me que ias fazer umas compras, que nos veríamos à noite, e que (como era usual nas nossas despedidas) me amavas. Mas já era mentira. Há mais tempo do que podíamos sequer imaginar.
Hoje, quando a dor já não faz mais sentido, quando o tempo já não me traz o teu nome, choro-te... Com raiva, saudade e nenhum amor. Estranho é chorar alguém que não amamos, como se assim o sentíssemos. Amo a felicidade que me deste naqueles tempos em que nos trancávamos no quarto dias a fio e contávamos, entre vírgulas de risos, tudo o que nos lembrávamos sobre a nossa vida passada. Como gostava da sensação de me conheceres como alguém jamais havia conhecido. Era de facto feliz! E como era (estupidamente...) feliz quando me aninhava no teu colo no sofá! Choro tudo isso, não te choro a ti.
Por vezes, como que vivendo em Mulholland Dr., equaciono um desfecho diferente para nós. Sonho que naquele dia não decídiamos abruptamente o fim. Sonho que voltávamos a casa (rindo). Sonho que voltaríamos a planear e projectar (rindo). Sonho que seríamos novamente felizes como éramos quando fomos (rindo, mas desta feita com o riso do casal de idosos num taxí por L.A.). "No hay banda. There´s no orchestra. Il n´y a pas de orchestra. It´s all recorded. It´s all in the tape."
Mas tal como no filme sei, que se assim fosse, não seria de todo melhor. Com o tempo descobririam o meu corpo inerte apodrecendo numa cama dum quarto de solteira. E a caixa azul de pandora (sempre foi esta a cor) voltaria a abrir-se incompleta, todos os males do Mundo, mas sem a esperança no final. Foste, é certo. Mas não és e nunca serias, apesar de eu ter acreditado.
Mas choro-te, mesmo sabendo que, por momento algum, te deveria ter chorado.


Llorando from Mulholland Dr. - David Lynch

2 comentários:

GJFB disse...

brutal..esta foi das poucas cenas em cinema em k me vieram as lágrimas aos olhos..e nem sei explicar pk!
ganda lynch

Anónimo disse...

Não gostei do filme, mas esta cena e esta interpretação musical é qualquer coisa de brutal.

Típico do David Lynch: grandes cenas de cinema perdidas numa esquizofrenia narrativa que, pode ser grandiosa, mas não me convence