Hoje abri o empoeirado baú das recordações.
Sentei-me no chão do meu quarto, com as pernas cruzadas, forcei a empenada porta de madeira, e deparei-me com aquela imensa arca relativamente nova, pouco preenchida e desorganizada. Perdi pouco tempo a mirar o que já lá estava. Olhei então para o chão onde me sentava e comecei mentalmente a tentar organizar cronologicamente as lembranças que iria arquivar.
Hoje abri o empoeirado baú das recordações, mas não para me deleitar a apreciar o que já lá estava. Abri-o porque te queria esquecer.
Fixo-me numa fotografia. Não estamos particularmente bem, já deveriam ser umas 3h da manhã quando a foto foi tirada, os cabelos despenteados, os olhos semi-cerrados do cansaço a contrastarem com o sorriso de quem vive uma festa académica com intensidade, fazem sempre uma combinação desastrosa! Percebo então, olhando para o que me resta de nós, que essa fotografia é especial só e apenas porque foi a única tirada em conjunto, o único registo de uma história proibida que todos sabiam mas à qual fecharam os olhos, o único documento que, daqui por cem anos, quando já ninguém se lembrar dos nossos nomes, vai provar que houve uma ligação entre nós.
As imagens do que vivemos começam a aparecer a uma velocidade maior do que a que consigo assimiliar, fotos começam a parecer uma curta-metragem pela rapidez e interligação com que passam à frente dos meus olhos! Lembro-me da primeira vez que te vi, de como estavamos vestidos, do que passava na televisão, de quem estava, do que se falou!
Rapidamente salto para o dia em que me apaixonei, do primeiro beijo trocado, das palavras bonitas lançadas num sonho de uma noite de verão, das saudades de uma espera que não acabava, da tortura de não saber se ainda me querias depois de tanto tempo separados, do reencontro forçado, do renascer da história, do calor de te voltar a beijar e te sentir finalmente meu (!) , do primeiro desgosto, da primeira discussão, do primeiro adeus seguido da primeira reconciliação, de sermos felizes!! Até ela voltar e levar-te de mim...
Relembro claramente o fim.
As minhas mãos tremem, já não seguram a foto com firmeza.
A minha face inunda-se...
Lágrimas escorrem pelo corpo frágil, encolhido.
A tristeza de não te ter supera a felicidade de te ter tido.
Olho para a foto antes de a guardar e reparo que já não é a mesma. A minha tristeza deixou que as cores se fundissem num misto incompreensível e a tua cara já não é perceptível. Tornou-se num borrão de tinta que se propaga pelo meu corpo fotografado também. No momento em que a tristeza de ter estragado a nossa única foto a dois se começava a instalar no meu estado de espírito, apercebi-me que aquela tinta a escorrer-me por entre os dedos era o espelho do que sobrou de nós:
Quanto mais desapareces da minha vida, mais te alastras no meu ser.
(Relato do 4º mês após o ínicio do nada)
Björk - Play Dead
01/02/09
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário