Quantas vezes já pensei o que mais será preciso para que saias de vez da minha vida.
Recordo-me com plena exactidão do dia em que me apaixonei, essa terça-feira quente em que me vestia pirosamente de ganga e prateado. Não me teria sentado contigo no jardim e não teria aceite a pastilha de mentol que dividimos (em duas partes desiguais e 'Tu ficas com a maior', disseste-me, como aliás tudo o resto, inclusivé o amor).
Quando me deitava irreflectidamente feliz, sabia que acordaria ainda pior. O amor que sentia exponenciava-se com a noite, encontravamo-nos britânicamente às 3h45 no mundo mágico dos sonhos e antecipava as aventuras que viveríamos em breve. Só anos mais tarde percebi que eu nunca saí realmente de lá. Apesar de acordada, a droga que me davas (à qual eu chamava ingenuamente amor) mantinha-me presa nesses sonhos e pintava a dura realidade naqueles tons pastel que só tu sabias usar.
Nisto vens tu, o outro tu, tu que me lês escondido e me recordas em profundo segredo. Fazes-me acreditar numa cura que nunca existirá e acordas-me da trip psicadélica de drogas que ele, o outro ele, me tinha dado (aquelas a que eu chamava amor). Também tu, o outro tu, me mentiste. Não passou. Não passará.
Abri-te a porta outra vez, quis que nos voltassemos a rir em uníssono. As garrafas que bebemos juntos têm um sabor especial, não achas? E nós, juntos, como já tantas vezes o dissemos, somos super-heroís! Desenvolvemos aqueles ultra-poderes de nunca nos deitarmos antes das nove da manhã (mesmo que na noite anterior nem se tenha visto a cama), praticamos feitos incríveis e nunca revelamos a nossa verdadeira identidade. Somos dois estranhos que se conhecem há anos de mais sobre a forma de super-heroí. De ti, nada sei. Quanto àquele com quem durmo, conheço melhor que qualquer outro alguém.
Abro-te novamente a porta (desta para saíres), mas deixo-te a escolha. Sabes quando levamos as visitas à entrada, abrimos a porta e voltamos para a sala? Não é amuo, é desejo profundo que não partam. E tu, matreiro, sais, mas, como sempre, deixas a porta encostada...
Fausto - O barco vai de saída
29/12/08
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